segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Pecado Eterno

Graciele Felix

Ele tinha cara de demônio,
Me causou calafrios, mas não foi de medo o tal. Foi estranho compreender no primeiro momento. Ele era franzino, de baixa estatura, ignorante, não dizia coisa com coisa como se desafiasse a inteligência do salão repleto de falsos intelectuais. As mãos eram calejadas e ousei imaginá-las percorrendo meu corpo. Definitivamente ele veio do inferno para pecar comigo. Cometemos naquela noite sete vezes o mesmo pecado, consolidei minha fissura e o descartei no salão em meio aos bêbados no fim da festa. Ainda tenho na virilha a marca daquele diabo, queimou-me com seu tridente em brasa e me perpetuou este demônio devasso.

Se eu só te amasse

Graciele Felix

Se eu só te amasse
e não me importasse em virar neblina
e molhasse teu rosto na madrugada enluarada
e lhe fosse santa por um dia
a adornar altares em teu peito?
Se eu só te amasse e assim lhe fosse de corpo e alma
e sufocasse suas angústias nas noites tenebrosas
e lhe fosse um sopro cheio de vida?
Se eu só te amasse e me redimisse da culpa?
Lhe seria meu canto sinfonia de pássaros iluminados no raiar do dia,
a acordar sua juventude, a compartilhar tua alegria, a recitar tua poesia.
Seria encanto triunfal, realeza temida dos campos minados do egoismo,
dama serena, imaculada a velar por tua estrada, a anular minha sorte
Lhe seria e só, mas não mais seria eu.
Se eu só te amasse assim me serias,
e por fim viverias o eterno prazer de amar-te.

Segue Então

Graciele Felix

Segue meu destino impresso
E não te peço compaixão pelo meu mal.
Seguem as respostas desta nota mal escrita,
meu tormento, minha fúria e minha dor.
Seguem resolvidos meus relatos, a saudade em negros pratos,
destilados de paixão, segue então.
Segue a maestria de um condado
e um batalhão de fardos da tua tosca ingratidão.
Seguem bem escritas minhas mágoas, as lamúrias,
velhas datas que relatam minha prisão, coração.
Seguem os meus olhos de menina,
enterranado a louca sina de amargar tua solidão.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Grito de Liberdade

Graciele Felix

Dentro de mim vive um grito de liberdade,
Que insiste em manter-se forte
e agride aos ouvidos algozes.
Berra quando ouso, pela minha indefesa sanidade, a me torturar os pulsos com as algemas de caridade. Insiste como se não houvesse saída no labirinto em que me aprisiono, invadindo meus poros, querendo mais do meu corpo.
Dentro de mim vive um grito de liberdade, que ultrapassa minha razão caduca e recicla minha busca alienada.
Dentro de mim vive sim um grito de liberdade, que faz do meu reflexo palavras e se mantém aqui para me lembrar quem sou.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Descontentamento Inoportuno

Graciele Felix

Ando chorando por dentro, cantando lamentos nos bares da cidade,
Ando com saudade de ser criança, de ter o futuro nas mãos e de brincar com a paciência.
As vezes bate a calmaria, outras vezes o mar está tão revolto que qualquer vento contrário desimbesta minha imensidão. Já esbarrei com a morte, mandei telegrama para o azar, já vivi dias de glória e vi muita gente desistir, porque são muitos os caminhos, sabe?
Ando cansada de rostos tristes, da falsidade humana, da avidez mascarada. Das lembranças em meus pesadelos, dos anseios de paz da humanidade.
Minhas mãos não reconhecem mais o trabalho e o fardo está tão pesado, que me dou conta de que ainda estou no meio do caminho.
Ando inquieta, querendo ouvir amor nos lábios de minha pátria, que cala enquanto é maltratada. Ando sem rumo, porque apesar de colocarem rédias nesta porra de destino, me fecho com medo, como se fosse um menino a caminhar sozinho. Ando sem saco das palavras vazias e de hospedar em mim este descontentamento inoportuno.

Olhos de Jabuticaba

Graciele Felix

Hoje parei para pensar no passado, Nos meus passos largos e em toda poesia que embrulhou meu corpo frágil. Encontrei na lembrança uma alma cativa, com olhos de jabuticabas e corpo de menina. Esbarrei em teu sorriso doce, aparelhado no meio da sala, pedindo colo para dormir. Hoje vi em sua fotografia o mesmo semblante angelical e bateu a saudade rotineira. O primeiro namorado, as amigas baladeiras, percebi que meu coração não abandonou seu prumo. O sorriso não mais aparelhado rebate e atordoa os olhares mesquinhos nas esquinas, o brilho nos olhos resiste, as vezes até triste, mas envolto na seda juvenil que lhe formaste e deixa rastros em sua estrada. De tudo onde é latente, meu coração persiste na ausência de palavras ou de qualquer contato rotineiro, recolhe lembranças, te acolhe em noites cansadas e zela em oração todos os dias por tua jornada.

A Brenda Bastos

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Verdade Oculta

Graciele Felix

Hoje um soluço cansado e triste ecoou no meu peito,
Berrava, como o sino da catedral ao meio dia,
Causava em minha alma o maior dos estremecidos,
Me vi tão menina com sonhos floridos envolta em vestes de seda rara.
O vento bateu em meus pêlos e arrepiou minha nuca perdida,
Senti na barriga o soprar dos árticos.
As lágrimas banharam meu leito de passagem,
Revi meu ventre vazio e na lembrança fragmentos de alma.
Hoje o soluço invadiu meu mundo sereno, sacudiu meu peito e me ocultou verdades.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Continente Negro

Graciele Felix

Hoje chorei um choro contido, daqueles que secam a alma. Ouvi tua voz do outro lado e busquei na memória um velho sentimento. Ele não mais existe. Você no entanto me disse tudo o que sentia, quão tortos estão os planos que fizeste com tanta primasia e cuidado. A algum tempo nos falaríamos como dois amantes e de mim sentiria a respiração ofegante que teimaria em procurar teus afagos. Eu badalaria como um sino em festa, e te diria sim ultrapassando minha razão honesta. Teu sorriso de marfim ofuscaria meus olhos inquietos e me condenaria a ancorar novamente em teu continente.
Hoje esperei no fundo te sentir novamente, na verdade foi mais que isto, ouvir-te falar de sua admiração e estima me fez compreender que estou no caminho certo. Jamais ousara com tamanha intensidade me dizer tais palavras, ainda que trêmulas fossem. A vida é justa quando necessária. Eu sei que as circunstâncias não carecem, mas me alegrei em te ver "homem" e compreendi que ser forte é tornar claro o que sempre ocultamos, por vezes deixar pessoas que amamos amadurecer, para que as voltas do mundo nos revele a essência perdida. Não sei se nossos corpos se encontrarão novamente, mas nesta vida um registro para a eternidade a felicidade de saber que me fez tesouro de seu tempo.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Marinheiro

Graciele Felix

Era um barco de multidão eloquente,
num instante como se ausentassem os ruídos, as vozes em tom grave brilhante foram invadidas pelo silêncio e alegria de um reencontro. Tantos séculos e justamente aqui.
Dois pares de pupilas unidas pela primeira vez nesta vida. Éramos dois viajantes isolados, caminhando pela proa alagada desejando ser parte do bravio mar. Os corpos se encaixavam como fôrmas perfeitas, as mão se tocavam como se reconhecessem em suas marcas o passado recente. De repente os olhares não mais se cruzavam. Quem diria a "faceta" da vida, jamais nos unir de verdade.
Não reconhecia mais as pupilas que vislumbravam meu corpo nas manhãs de segunda-feira, adormecendo em meu peito juvenil, ansiando por mais um minuto de meu sorriso. Tantas tormentas se passaram. O mar enfurecido devorou meu olhar de vislumbre quando me deixas-te no barco a deriva, mesmo sabendo que erás tú que me conduzia na imensidão do oceano. O tempo recusou-se a secar minhas feridas.
Já faz tanto tempo que não nos vemos, somente hoje lhe reconheço, é como se o barco voltasse ao cais, e eu admirasse novamente o marinheiro sagaz e imponente, aquietando a multidão para que enfim teu olhar reconhecesse minha alma. Pela primeira vez teu abraço falou comigo, de tanto que sofreu calado ao me ver em outro braço, mas lamento que tão tarde ele tenha reconhecido e me dito o que sempre negaste.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Gosto

Graciele Felix

Gosto do teu gosto doce simples
Do teu cheiro de rosa chá interiorano
Do teu olhar calmo profano
Das tuas mãos nuas
Do sempre de meia-hora
Do espreguiçar do dia
Da melodia
Da bela arte da tarde
Acompanhando o gavião
a espreita ao deslize da próxima presa
Do gêlo dos teus pés na noite fria
Do peito quente no edredom gigante
Da cama de estar
Do teu jeito de menino
Da tua ousadia intimista
Do teu sorriso escrachado
Dos dias de fúria
Dos dias de trégua
Da névoa do quarto andar
Revidando em teus olhos
o maciço de natureza que nos cerca
Da tua pele em brasa atada a minha
Do teu sofrer calado
Do zangar dos pássaros
Porque gosto do acaso,
se é que existe acaso.

Desejo

Graciele Felix

Não ouses imaginar o que penso,
sussurrando ao longe, fazendo com que o vento arrepie impiedoso minha nuca desnuda,
desviando de mim teu olhar sedento, teu tocar infâme, teu murmurar selvagem,
trilhando passagem onde tudo possuo sem deixar marcas.
Não ouses imaginar o que penso ao atirar-me indefesa em teus braços , a implorar teu uivo ao devorar minha carne.
Pois não é com doçura que o atraio a meu desejo, para que enfim me aprisiones a teu sexo doce e cru?
Atiro- me em combate como quem rouba sedento o beijo de um louco que suplica pelos ouvidos do mundo, e assim penetro-lhe sem permissão, como dona do teu êxtase, rainha do teu corpo, senhora do teu gozo.

Alma

Graciele Felix

Encontrei na escrivaninha do quarto um bilhete sombrio, relatando momentos a fio,
inundando de medo minha alma sem dono.
Sonolenta, as palavras invadiram meu pensamento vazio, nele o seguinte recado:
"- Me redimo do mundo eliminando a sombra, bebendo o vinho amargo preparado com o féu da vida. De tudo, rebatoos pensamentos mesquinhos, a loucura dos são. Deixo gravado nos seios mundanos as digitais desta vida que vivi por engano."
Como num sonho profundo a neblina juntou-se as palavras soltas da solidão, acordei como se saisse do ventre de minha mãe,
na parede branca do quarto isolado duas datas bem marcadas :
1822 - 1852 .
Sem lamentar volto ao que me formaste, me dou conta de minhas vidas, do quanto caminhei até chegar aqui.

Alma 1952 - 1982

Estrada

Graciele Felix

Não foi por engano.
Não me perdi no caminho.
Estou em busca de respostas.
Achei tão linda a sua porta que me deitei aqui.
Vi sua família ceiar tão unida, tão convencida, tão feliz,
lembrei do meu tempo de menino, mesa farta, pão e vinho.
Dos aplausos de minha mãe, de meu piano de cauda negra e das canções de ninar que saiam dos grandes dedos de meu pai.
Não queiras saber deles, me sinto tão cruel. Com tanta estrada na vida escolhi justo a que não devia.
Não tenhas medo deste velho homem, jamais falarei loucuras sem sentido, tudo faz sentido para mim. Estou tentando chegar ao fim.
Já vou indo, estou em busca de resposta, achei tão linda a sua porta que adormeci aqui.

Maria

Graciele Felix

Maria,
Porque estás com o coração na mão?
Acaso não te apavoras ver o passar da hora e nada mudar?
Não me digas a verdade, no fundo sei que é tarde,
mas admitir é tão cruel.
Não sabes que a mentira me alegra e
me revive a alma que de tão sofrida seca?
Vivi tanto deste mundo, que dele sei quase tudo,
mas prefiro me enganar.
Maria,
não esqueça de trancar a porta,
jogar a chave por debaixo dela
para que eu aqui devera lhe espere retornar.